domingo, 20 de junho de 2010

Das profundezas do forno.

Cada forno é diferente, às vezes é difícil se acostumar com um novo. Nos fornos caseiros a marcação de temperatura não serve para nada, quase sempre está errada. Imagine ir à casa de um amigo para cozinhar seu famoso pato com laranja e depender do forno desconhecido, como fazer corretamente sem nunca ter experimentado o forno antes?

Ao contrário das panelas onde o calor é concentrado no fundo, no forno o calor circunda o alimento. São técnicas diferentes que dão ao alimento sabores diferentes. Uma dica muito importante é pré-aquecer o forno antes de usar, pode-se até aquecer um pouco acima para depois diminuir, uma vez que ao abrir a porta o ar quente vai escapar e a temperatura interna diminuir. Se você colocar o alimento antes do forno aquecer, no tempo de aquecimento o alimento vai secar e não cozinhar.

Outra dica importante é usar um termômetro de forno, assim sempre saberá a temperatura correta independente do forno que estiver usando. Eu cansei de brigar com fornos, assim que passei a usar o termômetro comecei a usar qualquer forno e obter bons resultados.

Fornos caseiros não distribuem a temperatura igualmente, existem locais mais quentes e frios, se quiser testar seu forno faça uma fornada de biscoitos, você verá imediatamente os locais mais quentes nos biscoitos torrados.

Estou falando do forno caseiro a gás, os que usam botijão variam a temperatura conforme o mesmo está mais cheio ou vazio, ai o termômetro é fundamental. Em fornos elétricos a resistência elétrica é ligada e desligada por um termostato, assim a temperatura é mais confiável.

No forno convencional o ar quente é que cozinha o alimento assim não se deve usar formas muito grandes que impeçam a passagem do ar pelas laterais, frente e trás. Qualquer coisa que impeça a circulação de ar vai fazer com que o alimento cozinhe mais lentamente e de forma desigual.

Fornos profissionais acabam sendo mais confiáveis que os caseiros, primeiro por sempre virem com termômetros, segundo, que podem empregar técnicas diferentes, usando vapor d’água que é mais eficiente na condução de calor.

Bolos se dão bem no forno caseiro, não precisam de muito calor. Pães enformados também são simples. Pães sem forma, precisam de algum recipiente com água fervente no forno, para facilitar e gelificação da farinha e formar uma boa casca. Assados grandes precisam de alta temperatura e vão demorar bastante em forno caseiro que atinge no máximo uns 250 graus. Alguns fornos não passam de 160 graus o que os desqualifica para pães que exijam crosta.

Conheça seu forno, com um termômetro poderá obter bons resultados em qualquer forno, é só usar a temperatura correta. Bons assados.
Abraço,
Alê

sábado, 5 de junho de 2010

Mercado ou Super?

Para pessoas que começam a prestar mais atenção na sua alimentação diária, fica sempre uma pergunta: Onde comprar os víveres para elaborar as refeições?

O óbvio é ir ao supermercado, existe praticamente um a cada esquina, tem de tudo, de chinelos de dedo a pilhas, de mata rato a carne, cachaça a desinfetante. É a alternativa prática. Tem tudo para o cliente médio. Pela própria raiz da palavra, podemos aferir que o supermercado vai agradar a todos os clientes medíocres.

Existe uma lógica por trás destes megamercados. Um fornecedor tem que ter grande volume para figurar nas prateleiras, especialidades de pouca produção não pagam seu espaço, a não ser que sejam vendidas a preços astronômicos, lucros de fazer qualquer agiota da máfia corar de vergonha.

O que importa em um supermercado é volume e rotatividade, o cliente é apenas um número amorfo nas planilhas de estatística. São milhares de clientes comprando de uma única pessoa, os assistentes nada mais sabem do que preencher prateleiras que ficaram vazias.

Em algumas grandes cidades e muitas pequenas, temos a figura do mercado, um local normalmente público onde vários comerciantes podem ter “boxes” para comercializar suas mercadorias. Alguns destes comerciantes já contam com uma tradição de várias gerações no comando de suas vendas.

O comerciante do mercado pode se dar ao luxo de comprar de pequenos fabricantes ou produtores, pois, para ele todas as vendas contam. Assim, você tem produtos de melhor qualidade e por incrível que pareça, preços mais baixos. Muitos comerciantes de mercado se especializam em suprir os aficionados culinários mais exigentes.

Comprar no mercado é uma experiência muito diferente, você conversa com vendedores que conhecem sua mercadoria e com o tempo lembram de ti e sabem seus gostos. Eles têm produtos que nem sonhariam em aparecer nas prateleiras dos grandes, que fazem uma boa diferença no preparo de um prato.

Já freqüentei inúmeros mercados, sempre maravilhosos. Produtos de qualidade e grande variedade. O mercadão da Cantareira em Sampa ficou até meio “over”, continua magnífico, mas é tão cheio nos finais de semana, que atrapalha a diversão. Atualmente uso o mercado de Pinheiros, não tão reluzente, mas igualmente funcional e menos estressante. O de Santo Amaro também tem coisas magníficas. Dos muitos que conheço o de BH é imperdível, nos tempos de faculdade freqüentava o mercadão de Campinas e já tive íntima relação com o Mercado de Paço de Arcos em Portugal.

Procure o mercado municipal de sua cidade, se você gosta de cozinha é uma viagem obrigatória, se for próximo a sua casa, se for sério o suficiente na cozinha, faça do mercado seu hábito. Garanto que sua cozinha vai agradecer, assim como seus convidados.
Abraço,
Alê

sábado, 22 de maio de 2010

Cozinha da mãe e avó.

Gostamos de jantares diferentes, extravagantes, um pouco de aventura nos sabores e na vida. Mas nada como chegar em casa depois de uma semana de aventuras e nos aconchegar no conforto do nosso lar. O mesmo acontece com a comida, quem conseguiria viver sem a nossa culinária básica do dia a dia?

Cada cultura, até cada família vai ter os seus pratos do dia a dia e sempre preparados de forma magistral pelas nossas mães.

O que faz a cozinha de mãe tão especial?

Em teoria cozinha é muito simples, basta seguir uma receita. Será?

Pegamos a receita, seguimos e pronto! Temos nossa refeição perfeita, como feita por nossas mães...

Acho que está faltando algo nesta equação.

Cozinhar é algo prático, começa na escolha da receita. Para quem nunca se aventurou pelas terras da cozinha para além de pegar as cervejas no refrigerador, qualquer receita parece a mesma. Aos mais experientes, simples leitura vai detonar memórias gustativas, que vão já dar uma idéia de como será o sabor final de um prato, assim podemos escolher ou inventar receitas.

O segundo ponto importante é na escolha e compra dos ingredientes, o que é um bom tomate? Como escolher um bom pedaço de carne, e um peixe? Aqui entra o que podemos chamar de tradição oral. Ao acompanharmos nossos pais às compras vamos aprendendo o segredo dos bons ingredientes e de como bem escolher.

O terceiro ponto importante é a hora de cozinhar, pequenas diferenças em como manipular os alimentos resultam em grande diferença no sabor final. A isso podemos chamar de técnica culinária.

Nossas mães cozinham diariamente, sempre aperfeiçoando suas habilidades e muitas vezes herdando o saber de nossos avós. O aperfeiçoamento diário faz a cozinha de mãe tão especial. Assim se quisermos nos desenvolver na culinária devemos cozinhar, muito, e sempre aperfeiçoar nossos conhecimentos e técnicas. Os famosos segredinhos de mãe são frutos de anos de aperfeiçoamento culinário. Assim, não há nada de trivial na cozinha de mãe.

E a avó? Obvio, ela é mãe duas vezes, tem muitos anos a mais de experiência culinária, a cozinha de avó é o supra-sumo do aperfeiçoamento técnico.

Mais que a receita, as técnicas culinárias fazem a maior diferença em um prato. Você pode pegar alguns atalhos aprendendo e conhecendo as várias técnicas já disponíveis, o grande diferencial vai vir do seu aprimoramento ao cozinhar. Isto só se aprende na prática, assim, cozinhe, quanto mais melhor. E não é difícil, não temos que nos alimentar todos os dias? Você verá que não é tarefa que demanda tanto tempo quanto imaginamos e muitas vezes cozinhamos mais rápido que a espera em um restaurante.

A cozinha é uma prática que vai acumulando, quanto mais cozinhar com paixão, melhor habilidade e melhor sua comida. Se você não tem tempo de cozinhar sempre, pense em se especializar em algum prato. Tenho amigos que quase só cozinham uma vez ao ano, sempre o mesmo prato. Mas ao longo de uns 20 anos o prato cada vez fica melhor.

Não deixemos de lado a cozinha da mãe e da avó, aproveite para aprender os segredos com as mestras.

Abraço,
Alê

domingo, 9 de maio de 2010

Cozinha "contemporânea"?

"Contemporâneo", segundo o Michaelis, é o que é do mesmo tempo, ou o que é do tempo atual. E "cozinha contemporânea", o que significa? Talvez o que não seja "contemporâneo" seja comida velha? Existe comida velha, no sentido de ultrapassada?

É claro que inovações são necessárias e muito bem-vindas. Só que precisamos separar o joio do trigo, ou melhor, o gostoso do nem tanto, a invenção da invencionice.

Já comi sushi de vatapá de frango aqui em Fortaleza, uma experiência que não recomendo - e que poderia bem chegar ao fim da vida sem ter tido (isso não entraria em nenhuma lista de cem comidas que você tem que comer antes de morrer).

Por outro lado, hoje existe a pizza de calabresa, ricota e manjericão; o sushi de robalo com uma fatia transparente de limão; o camarão no abacaxi; o frango com molho de ameixa...

Voltemos à cozinha contemporânea. O guia de restaurantes da Veja Fortaleza 2010 classifica os restaurantes como: Brasileiro/regional, Carne, Italiano, Peixes e frutos do mar, Bom e barato, entre outros. Nesses "outros", há a "Cozinha contemporânea". O que seria isso? Talvez comida transgênica? Essa é contemporânea com certeza... Será que um restaurante que serve pizza congelada, sopa Campbell's e soja transgênica (anunciada com orgulho) pode ser considerado contemporâneo?

Dos 16 restaurantes da categoria, eu e minha mulher já fomos em quatro. Num deles, a comida estava insatisfatória (filé mignon DURO!); em dois deles, regular (um abaixo da expectativa e outro com comida que parecia de fast food); num último, excelente (cozinha tradicional francesa e italiana). Como entender a categoria com base em nossa experiência?

Minha primeira impressão foi de que servia pra encaixar os restaurantes que não se enquadravam em nenhuma outra, talvez os que não fazem bem comida Brasileira/regional, Carne, Italiana, Peixes e frutos do mar, e que não são Bons e baratos? Uma olhada pelos restaurantes e pratos sugeridos pela Veja, além do que vimos nos cardápios, indica algumas tendências, não todas elas juntas:
  • Restaurantes variados, incluindo carnes, peixes, frutos do mar, massas, etc., em geral servindo pratos tradicionais ou com sutis inovações. Esses me parecem os mais respeitáveis desse grupo.
  • Misturas insólitas (picanha com gengibre, acredite!), misturas de ingredientes da moda (salmão com cream cheese) ou locais (castanha de caju), muitos pratos comuns mas com molho doce (mel, açúcar mascavo e rapadura estão presentes). Eu tenho um certo cuidado com esses, porque em geral o resultado me parece cair no lado ruim do "diferente".
  • Cozinha oriental, em geral chinesa, tailandesa ou japonesa, adicionando ingredientes locais. Aparecem em vários dos variados e insólitos, mostrando o gosto do consumidor.
  • Cozinha tradicional francesa ou italiana, mas com decoração moderna. Isso pode ser entendido, na Veja, nos restaurantes em que há mais linhas escritas sobre o ambiente que sobre a comida.
Desconheço o motivo para classificar vários dos restaurantes que se encaixam nos dois últimos pontos acima como Contemporâneos e não Orientais, Italianos ou Franceses. Aparentemente, o nome Cozinha Contemporânea deve atrair gente, independentemente do que se come lá.

Parece que também não há muito consenso entre os críticos de restaurantes sobre o que um restaurante contemporâneo deve ser, porque os votos foram dispersos. Apenas um restaurante recebeu dois votos; todos os outros votados receberam um só cada; o grande vencedor conquistou o estômago de somente dois dos jurados. (Já fomos nesse restaurante; é o que nos pareceu fast food...)

Em suma, "cozinha contemporânea" não parece ter um significado claro para restaurantes e clientes; desconfio que é usada como sinônimo de fazer diferente (ou tentar). Talvez o tempo dê seu veredito; talvez a cozinha contemporânea deixe um ou dois pratos bons que serão os tradicionais do futuro. Até lá, ficaremos sem ter um nome para o que comemos hoje.

domingo, 2 de maio de 2010

Os sabores do vinho

Um dos aspectos mais fascinantes desta bebida composta de uvas fermentadas é sua diversidade. Como uma bebida feita com apenas um fruto pode se manifestar em encarnações tão variadas e muitas vezes opostas?

Existe algo especial nas uvas, que junto com a fermentação permite uma incrível profusão de sabores em uma mesma bebida. Em palavras o vinho pode ter sabores como:
maça, pêra, amoras, frutas secas, especiarias( pimenta, cravo, canela), baunilha, nozes, mel, manteiga, frutas cítricas, ameixa, ervas, tabaco, terra, couro, madeira, fumaça, além de muitos outros, só para citar os agradáveis. Do lado negro da força temos vinagre, rolha, mofo, meias velhas suadas( apreciado em queijos), além de outros.

Complexidade e equilíbrio é o que torna um vinho memorável, se um dos sabores predominar, vai anular os outros, deixando o vinho menos equilibrado e mais pobre. Esta profusão de sabores vem primordialmente da uva. Temos que considerar todos os seus componentes, semente, polpa e casca, todos tem papel importante na diversidade de sabores presentes no vinho. O tempo que as cascas e sementes ficam em contato com o suco determina uma série de sabores, em alguns casos se deixadas muito tempo os taninos amargos e adstringentes vão se tornar muito predominantes no vinho.
O conteúdo de açúcar da vinha vai ter papel importante, é ele que vai determinar a quantidade de álcool, se em baixa quantidade a vinificação não será boa. No processo de fermentação, açúcar é transformado em álcool, para o vinho doce é necessário que a uva tenha muito açúcar para interromper o processo antes que tudo vire álcool e ainda ter uma bebida de qualidade bem vinificada. Por isto é difícil bons vinhos doces.

Alguns sabores são acrescentados pela madeira onde o vinho é deixado a descansar, o famoso sabor de baunilha dado pelo carvalho americano, se tornou uma nota quase obrigatória por ser apreciada por um crítico de vinhos chamado Parker que tem enorme influência no mercado norte americano.

Não se engane, não existe mais carvalho no mundo para fazer tantos barris como seria necessário para a produção de vinho, os vinhos são deixados em grandes tanques de aço inox com uns pedaços de madeira para “temperar”.

A uva também tem suas variedades, existem muitos tipos e já existiram mais. O vinho tem sido apreciado desde os tempos romanos, e por conta de uma praga chamada filoxera, muitas variedades nativas de muitas regiões da Europa desapareceram e tiveram que ser colonizadas com variedades resistentes ao parasita que cresceram no novo mundo. Poucas linhagens de uva originais sobraram da devastação causada pelo parasita de raízes. Das poucas sobreviventes que lembro está a barbera, a vinha típica do Crasto, e algumas vinhas portuguesas e gregas.

O terroir(local onde a vinha é cultivada) também influencia muito na variedade de sabor. Um varietal Syrah produzido em Portugal ou na Argentina será totalmente distinto, apesar de ambos apresentarem as notas condimentadas, típicas desta vinha.

Um dos grandes segredos da uva é sua profusão em um tipo de composto chamado de maneira genérica de polifenóis, são eles que com a maturação na ausência de oxigênio, vão dar muito mais complexidade aos sabores do vinho. Se vocês já viram a orquídea que produz a fava da baunilha, notaram que ela não tem o menor cheiro de baunilha. Sem a maturação, o aroma forte e típico deste ingrediente tão popular não existiria.

Mesmo bebendo e conversando com amigos é preciso alguns minutos de meditação para saborear um vinho. Veja a cor e a fluidez do líquido. Para sentir seus aromas e começar a obter pistas para decifrar a sua complexidade é preciso agitar o vinho no copo, para que os aromas sejam carreados pelo álcool ao ar, enterrar o nariz no copo e dar uma bela fungada, para depois prender a respiração e deixar que os aromas sejam percebidos. É... nada fino... não é aquela cheiradinha leve e sofisticada dos comerciais. Como nossas papilas gustativas só entendem a linguagem do doce, azedo(ácido), salgado e amargo, é o aroma que vai ser responsável pelo gosto do vinho. Já notou que quando estamos resfriados não sentimos o sabor? Nossos receptores químicos estão cobertos de muco. Assim o aroma bem “fungado” é o primeiro passo a desvendar as várias notas que compõem um vinho.

Ao primeiro gole, devemos perceber que existem quatro fases. Na primeira o vinho tem contato com as papilas gustativas, vamos perceber o conteúdo alcoólico, a acidez, os amargos e o doce, logo depois os aromas vão invadir as vias respiratórias e vamos notar uma grande variedade de sabores, alguns vão desaparecer rapidamente e outros irão persistir ou surgir no final, logo antes da deglutição. O sabor que fica na boca depois é chamado de “after taste”, e também é importante.

Mais importante do que tudo é o seu gosto. O que lhe agrada no vinho? O que desagrada?
A minha preferência é por vinhos fortes, bem alcoólicos, taninos bem perceptíveis, aromas de ameixa, frutas secas, cítrus, madeira(carvalho europeu), às vezes especiarias e fumaça. Parte da graça de se beber vinho é a surpresa da combinação de sabores, nunca é igual.

Na próxima garrafa, descubra a sua preferência nos breves momentos meditativos com o vinho.
Abraço,
Alê

sábado, 24 de abril de 2010

Cuisine, nouvelle, ultra nouvelle (molecular)

Quem se atrever a estudar um pouco da história da cozinha verá o que conhecemos como cozinha internacional uma evolução da cozinha italiana apropriada pelos franceses. Ao longo do final do último século tivemos movimentos culinários que se tornaram famosos, se espalhando para além de suas fronteiras de criação, de forma mais ou menos torta, atingiram muitos restaurantes.

Antes, a fartura era um atributo da cozinha, Leonardo Da Vince quase foi linchado por tentar de forma prematura implantar a “nouvelle cuisine” na taverna dos Três Caracóis, junto com seu colega Botticelli do ateliê de Verrocchio.

Com o passar do tempo, uma tentativa de frugalidade na cozinha foi mais bem sucedida e iniciou o movimento da “nouvelle cuisine”. Além dos pratos diminutos, existia uma tendência a valorizar o sabor dos ingredientes e suas combinações, reduzindo o uso da gordura e caprichando na apresentação dos pratos.

A apresentação de um prato era importante na cozinha tradicional refinada, mas os pratos pareciam carros alegóricos de escolas de samba, a “nouvelle cuisine” emplacou um visual mais moderno na apresentação, seguindo as tendências da arte contemporânea e o minimalismo. Criando assim pratos mais leves (menos ingredientes) e mais sofisticados (caros). Não se engane, o que era comum na culinária italiana com um menu constituído de antipasti, primo piatto, secondi e dolci, foi multiplicado para que as pessoas não saíssem famintas. A frugalidade tem suas benesses e os bolsos saiam mais leves.

Como já foi demonstrado pelos autores de Asterix, as pessoas compram coisas pois: “A - o que é útil, B - o que é confortável, C - o que é agradável, D - o que causa inveja nos vizinhos”. O ítem D foi o grande responsável pela popularidade da “nouvelle cuisine”. Os ingredientes diminutos e a apresentação dos pratos foram logo replicados ao redor do mundo, deixando em muitos casos outras características mais importantes de lado. A comida passou a ser um item de status (causa inveja nos vizinhos).

É preciso fazer um parêntesis nos tempos modernos do light e diet sobre a redução da gordura na “nouvelle cuisine”. Foi reduzida em relação à cozinha tradicional, que normalmente usava meio quilo de banha de porco em tudo. Veja o pânico de um cozinheiro de restaurante se o estoque de manteiga a temperatura ambiente acaba... Se quiser saber mais procure “monter au beurre”.

A nouvelle não é assim mais tão nova, precisamos de uma outra onda para que o item D da cartilha de propaganda romana seja satisfeito. E eis que surge a cozinha molecular! Na sua proposta de desconstruir os ingredientes em papas, espumas ou qualquer coisa que não se pareça comida. Suas técnicas não são necessariamente novas, são importadas da engenharia de alimentos presente na industrialização da comida. Quem não poderia dizer que o afiambrado (spam) não foi o primeiro passo na culinária molecular? Aquilo mais parece massinha de modelar infantil, o máximo em desconstrução do alimento!

Se a “nouvelle cuisine” tinha uma tentativa de tornar a comida mais saudável, a cozinha molecular é o movimento contrário, usando todo o arsenal de essências e “antes” inventado pela indústria na sua desconstrução. Mas este show (de horrores) promete causar inveja no seu vizinho. Quem já comeu um prato que parece uma praia, com espuma e areia, ou tomou café sem líquido? Ou sorvete de nitrogênio líquido?

Como muito da moda a falta de senso e um mínimo de discernimento fazem com que o público menos agraciado intelectualmente caia nestas armadilhas, uma senhora que conheço diria: “tem mais dinheiro que juízo”. Para se ter um bom sorvete é preciso que a massa seja bem batida, enquanto é resfriada, para que os cristais de gelo que vão se formando sejam desfeitos e o resultado fique cremoso. O tal com nitrogênio líquido, tirando o mise-en-scéne, vai ficar cheio de cristais pontudos igual a qualquer sorvete caseiro deixado no refrigerador sem bater ou igual às raspadinhas de praia.

Infelizmente as coisas simples não causam inveja no vizinho e assim as pessoas deixam de lhês perceber virtudes. Correndo o risco de estar fora da moda, vou criar o movimento: “comida com cara de comida”.
Abraço,
Alê

sexta-feira, 23 de abril de 2010

A Faca



A primeira e mais importante ferramenta da cozinha é a faca. Podemos não ter fogão ou panelas, sem faca é difícil fazer qualquer coisa, do carpaccio ao sashimi, cebiche ou vinagrete.

Ao contrário do jaquetão branco, preferido dos iniciantes, é o bom manuseio da faca que vai ser característico a um bom cozinheiro. Cozinhar com faca cega é um pânico, ao contrário do que muitos pensam, a faca bem afiada é mais segura que a de corte ruim.Uma faca cega precisa de mais força para cortar, aumentando a possibilidade de escorregar e causar um acidente.

Qual faca comprar?

Nem todas as facas baratas são ruins, nem todas as facas caras são boas. Para quem está começando existem facas simples que vão cumprir bem o seu papel. A mundial tem algumas linhas baratas que não fazem feio, vão precisar ser afiadas com mais freqüência, mas desempenham o seu papel muito bem.

A faca básica deve ter corte reto, sem serrihados ou micro serrilhados que só destroem o alimento ao cortar, é o gume afiado que deve cortar e não serrar os alimentos, deixe as serras para madeira. Quanto ao tamanho, entre 6 e 8 polegadas vão ser suficientes, a lâmina próxima ao cabo deve ser reta e paralela, com uma curvatura na ponta afiada e largura de 2 a 3 polegadas. A lâmina não deve ser muito fina e flexível.

Se quiser exorbitar existem facas caríssimas, algumas feitas manualmente que são verdadeiras obras de arte, mas o conceito básico persiste, uma faca cara e boa vai ter de diferente uma melhor liga de metal que mantém o corte por muito mais tempo. É a qualidade do material e confecção da lâmina que diferenciam as facas.

Barata ou cara a sua faca tem que ser bem cuidada, lave e seque, sempre deixe a lâmina afiada. Você vai precisar de uma chaira e uma pedra de afiar. A chaira retifica o corte, sem desgastar em demasia a faca, quando ela já não consegue melhorar o corte está na hora de partir para a pedra. Existe toda uma técnica para afiar bem uma faca, se procurar na internet vai encontrar vários vídeos que podem lhe instruir.

Aço inoxidável não significa que não enferruja apenas que é mais difícil de enferrujar , precisa de cuidado. Outra peça importante do seu arsenal de corte é uma boa tábua, se cortar sobre uma superfície dura, sua faca vai estragar muito rápido. Nunca empurre o alimento para a panela com o gume sempre use o outro lado, este movimento lateral de empurrar a comida da tábua para a panela destrói completamente o gume.

Em regras gerais as facas de aço não inoxidável são melhores, exigem muito mais cuidados, mas o corte dura mais.

Pense com carinho ao escolher sua faca, existe para todos os bolsos. Alguns até dizem que o sabor melhora, quando você pergunta se as pessoas gostaram da sua comida com a grande, brilhante e afiada faca na mão as opiniões tendem a ser simpáticas...
Abraço,
Alê

domingo, 18 de abril de 2010

Trufa,foie gras, vieira e ouro

Ingredientes “chiques” sem o qual nenhum restaurante mais sofisticado pode prescindir, basta incluir um deles mesmo no seu tutu de feijão e você tem um prato “sofisticado”.

Óbvio que exagerei um pouco, viera com tutu de feijão não vai ficar bom, mas a trufa e o foie gras...

É preciso ser um completo idiota culinário para fazer algo ruim com os três primeiros ingredientes, que vão ficar bons até com broto de capim gordura.
Por serem caros e saborosos os três primeiros gozam de boa fama na cozinha, são usados, abusados e até vilipendiados.

A trufa é um fungo parasita de raízes, deve ser colhida com extremo cuidado para não quebrar. Existe a trufa branca e a negra. A branca tem maior sabor, é mais delicada para se manter, a trufa preta é mais resistente, mas menos fragrante. Devem ser cortadas em fatias muito finas para agraciarem com seu sabor qualquer prato. O maior erro é seu abuso, dominando de maneira ditatorial qualquer prato com seu agradável e fortíssimo aroma.

Há mais “trufa”em restaurantes do que é produzida na natureza, sua constituição delicada não combina com o abuso e o calor de uma cozinha profissional, por este motivo muitos restaurantes recorrem ao óleo de trufa ou azeite de trufa que contém exatamente 0% de trufa, totalmente artificial!

O Foie gras é o fígado de ganso, às vezes pato, gordo. Não são muito comuns no Brasil, pois dá muito trabalho deixar o ganso gordo. Tem que ser alimentado de forma brutalmente forçada para que o fígado acumule a deliciosa gordura.

Faça qualquer coisa verde com uma redução de qualquer coisa e coloque uma boa fatia de foie gras frito na manteiga e terá um prato saboroso e sofisticado para figurar em destaque no menu de qualquer três estrelas. É sempre muito bom, não importa o que o acompanhe embaixo, dentro ou em volta. Não exige conhecimento nem tão pouco habilidade.

Vieira é boa até crua, aliás em minha opinião, se bem fresca melhor não cozinhar. Como o foie gras, de uma fritadinha e coloque sobre qualquer coisa e terá um prato excelente.
O melhor restaurante de vieiras que encontrei fica a 22 metros de profundidade, são muito frescas, é só abrir a casca e comer, o pouquinho de água do mar que entra ao tirar o regulador serve de tempero, só tome cuidado para um peixe mais ousado não lhe tirar a vieira. Infelizmente não posso dar o endereço do restaurante, mergulhadores são muito exclusivos com seus pastos de vieiras.

Alguns restaurantes acrescentam ouro em doces, sorvetes e até pratos salgados, como um "diferencial". Ouro é extraído da terra, muitas vezes é usado mercúrio para a tarefa, é um metal pesado venenoso. Por mais que o ouro puro seja inócuo, é inútil ao uso culinário. Não tem gosto de nada, valor nutricional 0. Tem o incrível poder de alimentar a idiotice e a falta de senso. Qualquer prato que o leve em sua composição, vai ter sua pretensão elevada na medida da falta de senso do cozinheiro.

É um mito que qualquer bom cozinheiro faz coisas boas de ingredientes ruins.

Ingredientes ruins devem ir ao lixo, mesmo ingredientes simples como batata e alho devem ser bons, bem escolhidos para terem bom sabor e ai sim serem alquimicamente transformados em um bom prato. Ingredientes mais pretensiosos da moda, não garantem um bom prato, apenas um preço alto. Como tudo na vida a cozinha exige bom senso, um bom cozinheiro sabe que o local da mistificação é a lixeira.
Abraço,
Alê

sábado, 17 de abril de 2010

Você come sushi em churrascaria?

E, mais importante ainda: você gosta de sushi de churrascaria?

Quando o sushi começou a cair no gosto do paulistano, existiam poucos restaurantes japoneses típicos e bons fora da Liberdade. Naquela época, um amigo meu falava que não gostava deles pela esquisitice: a comida vinha crua e o guardanapo cozido.

Em algum momento das últimas duas décadas, difícil saber quando exatamente, o sushi virou moda, com tudo o que isso traz de bom e de ruim. Restaurantes japoneses se multiplicaram, aparecendo alguns com excelente qualidade (entenda-se: deliciosos); o sushi também esticou para o sushi bar, o sushi-fast-food, o sushi fusion (seja lá o que isso significa), o restaurante por quilo, e finalmente a churrascaria.

Acho que aconteceu pouco depois do nascimento do bufê de saladas. Aquela coisa de macho de mandar pro estômago a maior quantidade de carne possível, preenchendo as lacunas com farofa, arroz de carreteiro, lingüiça e mussarela na chapa, cedeu espaço às alfaces, rúculas e palmitos; logo em seguida veio o sushi. Ajuda a churrascaria a ser mais variada e mais saudável, mas ainda assim deixa a desejar em relação ao sushi dos bons restaurantes.

Nas churrascarias, ele em geral é feito com arroz papa (muitas vezes nem é o arroz certo e, pra segurar o formato, é feito grudento ou já grudado, e depois é tão apertado que vira um bloco de massa branca), quase sem tempero (quem foi que disse que arroz de sushi não pode ter tempero?), e salmão* por cima. Para complementar, shoyu e wasabi fraco (parece feito na véspera). Insosso, mas seu sucesso indica que o sabor talvez não seja exatamente o que o cliente quer...

Voltando ao ponto em que o sushi virou moda, comer sushi é in. Gostar de sushi é in. Nada contra ele, muito pelo contrário! Talvez quando seja in ser exigente com o sushi, as churrascarias aprendam a fazê-lo gostoso. E aí eu vou gostar de ter, no meu prato, um sushi ao lado da picanha.

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* Eu me lembro do tempo em que salmão era chique; hoje o que se encontra em quase todo lugar é aquele de criadouro, a chamada "galinha do mar", barato e insosso. Nada a ver com o Gravlax...

domingo, 4 de abril de 2010

Vinho

Comida e cozinha não são assuntos complicados, mas são extremamente vastos e muita mistificação aparece onde o básico do conhecimento é exíguo. Não raro a mistificação torna-se a essência de certos temas, um dos quais o vinho.

Uvas, esmagadas e deixadas a fermentar, com o processo “maduro” retiramos o líquido e engarrafamos. A grosso modo o vinho é apenas isto. Eu tendo a considerar qualquer vinho feito apenas de uvas como honesto. Pode ter muitos pecados, mas ganha o benefício da inocência.

Nem todas as uvas dão bom vinho, quando era criança meu avô tinha o costume de fazer vinho em casa, íamos eu e meu pai no CEASA comprar caixas e caixas de uma uva que era ruim para se comer, pequena, bem preta, doce e um pouco ácida, difícil de tirar a casca. Não me lembro o nome, lá se vão muitos anos, só sei que a uva de mesa (niágara) não servia, dizia meu avô. A safra começava quando a niágara terminava em dezembro/janeiro. Hoje penso, quem é que comprava aquela uva? O barril tinha que ser esterilizado, as uvas esmagadas com uma engenhoca que meu avô tinha construído, um “martelão” quadrado com uma calha onde as uvas esmagadas iam direto ao barril, depois disso eram meses, mexendo o composto e roubando um pouco do líquido doce que se formava antes da fermentação estar completa. No fim do processo o líquido era sifonado, tomando cuidado para não mexer no bagaço de cascas que flutuava, e engarrafado.

Não poderia ser considerado um vinho refinado, era pesado, tânico e bem ácido, mas era feito apenas de uvas.

Inocência não é o pré-requisito de um grande vinho, apenas de vinho. Qualquer coisa que não saia da fermentação de uvas, deve ser descartado na denominação vinho.

O quê há para saber sobre o vinho? O que confere as suas características?

Em essência é isto que precisamos conhecer sobre os vinhos que tomamos, e lógico, o seu sabor.

Em teoria o tipo de vinha e o local onde vai ser cultivada (terroir), determinam as características do vinho. O clima do ano da safra era bem era importante. Hoje em dia isto mudou muito.

Antes de ser uma indústria o vinho é um artesanato, e sofre com o excesso de produção, quanto maior esta, os cuidados devem ser exponenciais, se se quiser que a qualidade seja mantida.

Antigamente a qualidade e características do vinho dependiam muito da qualidade da uva original e das condições climáticas durante o crescimento da uva. Hoje em dia os vinhos são “acertados” de modo a garantir uma constância de sabor entre as várias safras. Este acerto é feito com vinhas de corte, de sabor variado que são misturadas ao vinho original para chegar em um paladar mais constante. Muitos vinhos em vez de ter como “rótulo” a vinha original (os chamados varietais, com 70% da vinha original), são considerados “blends”(misturas), e alguns destes tem certo status de marca.

Não se pode deixar que por conta de um fator alheio à nossa vontade como o clima, a constância de um produto comercial como o vinho varie. Por isto mesmo quase todas vinícolas modernas “acertam” seus vinhos. Isto em parte garante a sua constância, mas impede que algumas safras extraordinárias surjam, por conta de fatores incontroláveis da natureza.

O que você precisa saber sobre vinho:

1- Quem fez e de onde veio, qual região vinícola que o produziu e se o mesmo é típico de tal região.

2- Qual o tipo de uva que entra em sua composição.

3- O ano de produção, não que ainda existam características de safra, mas para saber o tempo que o vinho permaneceu na garrafa, os bons vinhos costumam se beneficiar na maturação, muitas vezes mudando completamente.

4- Degustar o vinho, perceber através do olfato e do paladar, as características do mesmo e lembrar.

5- Preço e qualidade não andam juntos.

6- Não importa o que falem, quem tem que gostar do vinho é você!

No futuro escrevo sobre como uma única fruta pode dar uma bebida com tamanha variedade de sabores complexos, por hoje fico por aqui.

Abraço,

Alê

O Sabor da Pizza

A medida que o tempo foi passando, o mundo mudou a tecnologia tornou-se mais evidente e muitos aspectos da vida diária foram transformados. Tomam isto como evolução. Em minha visão mais biológica, evolução tem que sofrer seleção.


O mesmo foi acontecendo aos vários sabores de pizza. Tínhamos originalmente uma pequena seleção de sabores que poderíamos chamar de tradicionais, mozzarella, calabresa (sem queijo), portuguesa, romana, escarola, alho e óleo e aliche (sem queijo).


Não sei se por serem tradicionais e já estar acostumado, acho que todos combinam sobre uma massa coberta de molho de tomate e levada ao forno de lenha.


O que vemos no panorama “pizzaico”, onde a competição aumenta à medida que existe uma pizzaria em cada esquina, é a multiplicação dos sabores. Mas por outro lado pouco cuidado com os ingredientes essenciais, a massa e o molho de tomate, que em minha opinião fazem a diferença entre uma boa e uma má pizza.


Entre os novos sabores para agradar os novidadeiros existem boas combinações como a mozzarella de búfala com rúcula e tomates secos, mas existem coisas hediondas do tipo salmão com cream cheese. Estando no cardápio, não significa que alguém precise pedir esta monstruosidade, não exige muita imaginação para perceber que não funciona. Consigo pensar em algumas maneiras de incorporar o salmão à pizza, mas o cream cheese faz a mistura ficar impossível, é quase como siri com marshmellow.


O problema é, às vezes pizza é um evento social e sempre tem os novidadeiros que gostam de experimentar... e lá vai um pizza ser desperdiçada sobre a mesa, pois muitas vezes nem quem pediu consegue comer.

No outro ponto algumas pizzas de caráter mais forte estão desaparecendo, como a de aliche. Primeiro por aquele peixe salgado raramente ser aliche, o que piora a situação pois até quem gosta de pizza de aliche, não gosta daquela escultura de sal na forma de peixe.


Tenho um amigo americano que odeia aliche e diz – “se deus quisesse peixe na pizza teria colocado peixes melhores da costa da Itália.”


Lembro de uma vez que estávamos em uma pizzaria e resolvemos pedir pizza de aliche, estávamos só iniciados, se não meu engano eu, G e Jayme. Ao fazer o pedido o atendente nos disse:


- Não é esta que vocês querem, esta não tem queijo.


Ao que respondemos – é esta mesmo!


- Essa pizza é preta! É muito ruim!


Comemos a pizza preta, gostamos...


Abraço,

Alê

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Bacalhau

Se existe um peixe mais incompreendido eu não conheço. É muito popular em refeições festivas de páscoa e ano novo, datas em que seu preço chega às alturas.

Quando pensamos em bacalhau estamos falando do peixe salgado, se servido fresco a maioria não o reconheceria como Bacalhau, como nosso país é banhado em águas tropicais, não veremos o peixinho nadando em nossas costas e teríamos que fazer uma bela viagem para apanhar um bem fresco.

No nosso vocabulário, peixe salgado é bacalhau. Apesar do bacalhau ser apenas uma espécie,o cod fish, Gadus morhua, vários outros peixes depois de salgados posam de bacalhau, e pasmem... o mais famoso dos mercados brasileiros nem é bacalhau.

O bacalhau era antes um pescado abundante nas águas gélidas dos mares do norte, Portugal por sua vez em sua costa tinha o melhor sal que se podia esperar da Europa, assim em tempos em que a geladeira ainda não tinha grande popularidade o melhor jeito de conservar o peixe era salgando. Pelo peixe ser salgado em suas costas o bacalhau salgado tornou-se um prato bastante popular em Portugal, não era um prato refinado e como dizem, tinha o preço da chuva.

Por nossa colonização o gosto pelo peixe salgado se difundiu na nossa cultura, assim nós como os portugueses passamos a apreciar o bacalhau. Foi só mais recentemente que cozinhas mais “chiques” de França e Itália passaram a apreciar o sabor deste pescado que era considerado por demais camponês para uma boa refeição, infelizmente esta descoberta não veio impune e o preço do bacalhau subiu às alturas.

Com sua popularidade e pesca exagerada, o bacalhau está sumindo e várias outras espécies salgadas foram convenientemente chamadas bacalhau. Não que sejam muito ruins, uma vez que é o processo da salga que dá a este tipo de peixe a sua característica mais marcante. Quem já provou pirarucu salgado sabe o que estou dizendo, e ainda é um peixe de água doce. Podíamos dispensar a hipocrisia e chamar cada um pelos seus nomes próprios, assim as pessoas saberiam exatamente o que estão comprando.

O texto já está se alongando, mas não poderia deixar de colocar aqui o principal pecado que as pessoas cometem ao preparar o bacalhau, que acontece na hora de tirar o sal. Que é tirar tudo, até o gosto. Não importa a técnica de demolhe que use, só se deve tirar o sal ao ponto de não precisar o acrescentar na receita, se você deixar o peixe completamente sem sal, junto com ele vai seu sabor e poderíamos substituir o peixe por um bom pacote de estopa.

Futuramente falo mais sobre o bacalhau, hoje fico por aqui.

Abraço,
Alê

Cultura, paladar e olfato.

É através dos nossos sentidos que somos capazes de interagir com o mundo, sem eles ficaríamos completamente alienados.

Na cozinha o paladar e olfato reinam supremos.

Ao iniciar nas artes da cozinha as pessoas costumam ficar intimidadas, melindradas sem saber exatamente por onde começar. O início é simples, basta prestar atenção a estes dois sentidos.

Da mesma maneira que nos concentramos ao ler um livro, ao saborear um prato fazemos os mesmos movimentos, prestando atenção, memorizando os sabores, a impressão que nos causam. Nada no mundo vai suplantar a própria experiência, é impossível explicar um sabor sem comparações, ele não pode ser transmitido ou armazenado como uma imagem, é fugaz, pessoal e momentâneo.

Saboreamos tudo, da coxinha do bar da esquina ao terceiro e sexto prato de uma refeição tipo degustação. São estas memórias que vão criar a nossa cultura culinária. O gosto e cheiro das especiarias, sozinhas e combinadas com vários sabores, o conhecimento dos ingredientes, as várias técnicas que vão mudar o sabor de um prato.

É preciso insistir que o gosto de cada um é pessoal, seja fiel ao seu próprio paladar e olfato, não se deixe enganar por propagandas vistosas ou apresentações mirabolantes, o único momento que importa é o íntimo contato da boca com o alimento. Deixe que o sabor desperte os sentimentos dentro de você, permita que eles o guiem, não importando se está comendo o espetinho de gato do futebol ou um prato do mais famoso chefe da cidade.

Experimente e compare tudo, do sanduíche com gosto de caixa de isopor à melhor vieira, ao percorrer esta trilha estará no caminho certo para a verdadeira cultura culinária. Só posso lhe dizer uma coisa, é uma jornada deliciosa.

Abraço,

Alê

domingo, 28 de março de 2010

Tarte Tatin II

Mencionei no post anterior que dá pra usar maçãs cortadas em quatro, a TT fica mais baixa. Esta eu fiz no natal de 2009:

Foto: Anamaria.

Fazer em casa ou comer no restaurante?

Um dos meus pratos favoritos, e não por coincidência um dos primeiros que quis aprender a fazer, é lasanha. Aquela mais comum, à bolonhesa. Depois de algumas vezes, ela começou a ficar, consistentemente, como eu acho que uma lasanha tem que ser.

Nesse ponto, percebi que em restaurantes raramente ela chega nesse ponto, e frequentemente fica muito aquém. Por que?

A forma de preparo do alimento, creio eu, é determinante. Faço a lasanha da forma tradicional (*), só o molho à bolonhesa leva umas três horas pra preparar; depois disso a lasanha é montada e vai por vinte minutos ao forno, pra gratinar. Eu uso uma travessa grande, a maior que cabe em meu forno elétrico; dá pra umas dez pessoas comerem muito bem. Fica assim:

Foto: Anamaria.

Quando pedimos uma lasanha num restaurante, como ela é feita? Imagino que em vários lugares ela deve ser pré-montada, cozida e congelada, e requentada rapidamente (provavelmente são as piores), ou montada como a minha, mas em pequena escala, com molho já pronto, em muitos lugares aquele molho "padrão" - já viram restaurantes em que qualquer prato tem o mesmo gosto?

Dá pra ficar igual? Acho difícil, mas há algumas que se salvam (**).

Por outro lado, há pratos que são difíceis de reproduzir em casa, mas deliciosos em restaurantes. Dois exemplos:
  • Sushi. Dá pra fazer em casa, dá trabalho MESMO, mas o problema nem é esse - é comprar o peixe (ou pedaços) grande o suficiente pra cortar filezinhos de bom tamanho, e também comprar peixes variados, o suficiente pra reproduzir um combinado de restaurante. Uma vez fiz isso com amigos, tivemos que comprar tanto peixe (salmão, atum e robalo, mais de um quilo de filé de cada) que, mesmo com oito pessoas à mesa, sobrou mais da metade, tivemos que guardar na geladeira - e aí o sabor sofreu...
  • Picanha. Dá pra fazer uma peça em casa, fica muito bom, mas dificilmente dá pra satisfazer a todos - tem os que gostam de carne muito malpassada e os que gostam de carne superpassada. As churrascarias dobram a picanha e põem no espeto, deixam na churrasqueira até que a ponta fique tostadinha e servem, cortada bem fininha; isso não é prático de fazer em casa, porque dá saída na carne muito lentamente - as churrascarias põem até cinco ou seis picanhas por espeto pra dar conta.
Uma regrinha é pensar se vale a pena fazer o prato em pequena escala (um ou dois pratos), ou se é mais viável fazer em média quantidade (8 a 10 pessoas), ou se só dá pra fazer pra 15, 20 pessoas ou mais. O restaurante vai pensar mais ou menos da mesma forma e, se você pedir um prato que deve ser feito em quantidade e tem pouca saída, pode ter certeza de que o cozinheiro vai usar algum atalho...

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(*) Recentemente a cidade de Bologna, na Itália, esteve interessada em definir a lasanha à bolonhesa, e a lista de ingredientes é exatamente a que eu uso como base; eu só incluo uma camada de ricota no meio pra ficar mais leve.

(**) Uma das melhores que já comi é a lasanha verde aos quatro queijos da L'Osteria do Piero, na Alameda Franca, em São Paulo. Outra excelente foi a lasanha de peixe num restaurante pequeno em Fernando de Noronha, infelizmente não me lembro do nome - era perto do Correio, numa esquina; tínhamos que pedir a lasanha com algumas horas de antecedência.

Levain II

Farinha, água e sal. Em teoria é tudo o que é necessário para um bom pão. Quantos mistérios podem conter tão simples ingredientes?

Para qualquer um mais familiarizado com panificação, pode me lembrar que esqueci de um dos ingredientes básicos, o fermento. Sem ele nosso pão não cresce. Que tal em vez do fermento usarmos apenas farinha e água?

Esta é a idéia por trás da fermentação natural, o nosso fermento em realidade encontra-se no ar a nossa volta, só é preciso saber colhe-lo.

Porquê se dar ao trabalho de preparar o próprio fermento se os comercialmente preparados vendidos em todos os locais são tão convenientes e baratos? Pelo simples motivo que há um pouco mais na fermentação natural que o próprio fermento.

O fermento natural vem de uma associação estável entre lactobacilus e levedura, o fermento que usamos tem basicamente a levedura que é responsável pela produção do gás carbônico que faz com que a massa cresça. O lactobacilus vai entrar com o sabor.

Sou paulistano, e um hábito que tínhamos na família era todo domingo de manhã ir ao Bexiga para comprar os maravilhosos pães italianos que ali eram produzidos, aquele pão azedinho, crocante e delicioso, mantinha-se bom até o final da semana seguinte. Com o passar dos anos o pão foi mudando e aquele sabor azedinho já não é presente mesmo nos pães da região.

Tentando reviver aquele sabor da minha infância é que me aventurei a fazer o pão com o fermento natural.

Em princípio é simples, apenas misture farinha e água em iguais proporções de volume e espere a natureza tomar seu curso...

Apesar desta técnica funcionar às vezes, é bastante frustrante descobrir que depois de duas semanas tudo que você fez é uma massa podre e fétida. Então para facilitar podemos dar uma ajudinha à mãe natureza, indicando a direção certa. O fermento natural, como disse, é uma cultura estável de lactobacilus que produzem ácido lático e a levedura que produz gás carbônico e álcool, o álcool e o ácido lático vão evitar que outros micro organismos indesejáveis venham viver na nossa massa e façam o apodrecimento em vez da fermentação. Assim tentando imitar o ambiente, podemos acrescentar uma colher de sopa de vinagre branco, ele vai fazer com que nossa colônia tenha um ambiente bom desde o começo.

Na prática, para começarmos a ter algo usável vai demorar duas semanas de carinho e cuidado com os seus novos mascotes. No início a fermentação vai demorar bastante, a primeira realimentação vai demorar três dias, sempre dobrando a quantidade original e deixando em um pote coberto com um pano limpo. Uma cultura funcionando em todo o seu potencial, vai precisar de realimentação diária.

Você vai ter uma cultura boa depois de cerca de três meses, quanto mais o tempo passar e cuidar dos seus novos mascotes mais eles vão te recompensar, os meus já estão com alguns aniversários.

Aqui, muita gente já está duvidando da nossa sanidade mental, em tempos de velocidade, imediatismo, ter tanto trabalho apenas para fazer pão? Pode parecer insano, mas ao tirar o pão quente e crocante do forno com aquele aroma magnífico, que se tornou uma raridade, vemos o trabalho recompensado.

Vou parando por aqui pois o texto já está ficando longo, futuramente volto com mais sobre a massa azeda.

Abraço,

Alê

quarta-feira, 24 de março de 2010

... e por falar em Tarte Tatin...

... existe uma certa aura de mistério sobre ela, mas é realmente simples - cozinhe e caramele as maçãs, coloque a massa por cima, leve ao forno. Claro que tem seus truques... Pra receita "oficial" (em francês, é claro, mas com traduções pra inglês e espanhol) entrem em http://web.archive.org/web/20021121201746/http://www.tarte-tatin.com/.

Achei uma receita em português que parece boa em http://vejasp.abril.com.br/noticias/receita-de-tarte-tatin-do-le-french-bazar (apesar de a original não levar Cointreau); vi várias outras feitas com massa folhada ao invés da Pâte Brisée Sucrée, e até algumas feitas com creme de leite na massa (não é surpresa que seja no site da Nestlé).

Esta aqui foi feita já algum tempo (2007 - foto da Anamaria), antes das boas dicas mencionadas no outro post, com receita de Le Cordon Bleu:


As maçãs que já usei (Fuji e Gala) ficam firmes mesmo bem cozidas, agradeço se alguém me indicar que maçãs podemos encontrar por aqui que amolecem mais.

Uma dica: você pode usar maçãs cortadas pela metade, como esta, ou com maçãs cortadas em quatro - ela vai ficar com metade da altura, claro; vai ficar mais fácil de montar e cortar. (Como eu não me importo em complicar as coisas, ainda prefiro ela alta e difícil de cortar - mas MUITO MAIS BONITA...)

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Tenho visto "versões" da Tarte Tatin com outras frutas e até com tomates (salgada), não duvido que fiquem boas, mas poderiam usar outro nome, né? (Eu sou daqueles pra quem caipirinha é pinga, limão, gelo e açúcar.)

Olivier Anquier

Vocês já visitaram o site do Olivier Anquier?

http://www.olivieranquier.com.br/


Vale a pena, ele tem vídeos com dicas excelentes. A massa da minha Tarte Tatin melhorou muito com as dicas dele (as do Laurent também ajudaram bastante!).

quinta-feira, 18 de março de 2010

Levain?


Fermento agora virou levain... Pelo menos para alguns cozinheiros deslumbrados.

Esses agora estão "redescobrindo" o levedo natural, aquele que a sua avó talvez usasse, e tratando como grande novidade! Vejam em http://blogs.estadao.com.br/luiz-americo-camargo/. Alguma coisa dá pra aproveitar.

Há mais ou menos um ano comecei a brincar com levedo natural, por causa da dificuldade de se encontrar um pão italiano BOM aqui em Fortaleza (daqueles um pouco azedinhos, como os da São Domingos, em São Paulo). A primeira tentativa foi frustrada pelo mofo, comum em tudo aqui. A segunda, após uma boa dica do Alê (uma colherinha de vinagre), vingou.

Depois de alguns meses e vários quilos de farinha, o resultado começou a ficar muito bom; o levedo ficou relativamente rápido (dobrava de volume em duas horas no calor do Ceará) e o pão ficava saboroso. Eu o usava em média a cada duas semanas, e ele se conservava bem na geladeira.

Aí veio uma trágica instrução, genérica demais, dada à empregada: "Jogue fora o que estiver estragado..." e lá se foi meu levedo.

Desde então eu desanimei, só uso o levedo biológico comercial (aquele seco, em saquinho). Mas aquele sabor de pão caseiro dá saudade...

A primeira fornada...

Bem-vindo a este blog!

O nome foi escolhido como reconhecimento à influência de minha família (parte italiana, parte libanesa) em meu paladar - numa infindável série de festas e reuniões familiares, o que percebi foi o prazer que comer bem dá.