sábado, 22 de maio de 2010

Cozinha da mãe e avó.

Gostamos de jantares diferentes, extravagantes, um pouco de aventura nos sabores e na vida. Mas nada como chegar em casa depois de uma semana de aventuras e nos aconchegar no conforto do nosso lar. O mesmo acontece com a comida, quem conseguiria viver sem a nossa culinária básica do dia a dia?

Cada cultura, até cada família vai ter os seus pratos do dia a dia e sempre preparados de forma magistral pelas nossas mães.

O que faz a cozinha de mãe tão especial?

Em teoria cozinha é muito simples, basta seguir uma receita. Será?

Pegamos a receita, seguimos e pronto! Temos nossa refeição perfeita, como feita por nossas mães...

Acho que está faltando algo nesta equação.

Cozinhar é algo prático, começa na escolha da receita. Para quem nunca se aventurou pelas terras da cozinha para além de pegar as cervejas no refrigerador, qualquer receita parece a mesma. Aos mais experientes, simples leitura vai detonar memórias gustativas, que vão já dar uma idéia de como será o sabor final de um prato, assim podemos escolher ou inventar receitas.

O segundo ponto importante é na escolha e compra dos ingredientes, o que é um bom tomate? Como escolher um bom pedaço de carne, e um peixe? Aqui entra o que podemos chamar de tradição oral. Ao acompanharmos nossos pais às compras vamos aprendendo o segredo dos bons ingredientes e de como bem escolher.

O terceiro ponto importante é a hora de cozinhar, pequenas diferenças em como manipular os alimentos resultam em grande diferença no sabor final. A isso podemos chamar de técnica culinária.

Nossas mães cozinham diariamente, sempre aperfeiçoando suas habilidades e muitas vezes herdando o saber de nossos avós. O aperfeiçoamento diário faz a cozinha de mãe tão especial. Assim se quisermos nos desenvolver na culinária devemos cozinhar, muito, e sempre aperfeiçoar nossos conhecimentos e técnicas. Os famosos segredinhos de mãe são frutos de anos de aperfeiçoamento culinário. Assim, não há nada de trivial na cozinha de mãe.

E a avó? Obvio, ela é mãe duas vezes, tem muitos anos a mais de experiência culinária, a cozinha de avó é o supra-sumo do aperfeiçoamento técnico.

Mais que a receita, as técnicas culinárias fazem a maior diferença em um prato. Você pode pegar alguns atalhos aprendendo e conhecendo as várias técnicas já disponíveis, o grande diferencial vai vir do seu aprimoramento ao cozinhar. Isto só se aprende na prática, assim, cozinhe, quanto mais melhor. E não é difícil, não temos que nos alimentar todos os dias? Você verá que não é tarefa que demanda tanto tempo quanto imaginamos e muitas vezes cozinhamos mais rápido que a espera em um restaurante.

A cozinha é uma prática que vai acumulando, quanto mais cozinhar com paixão, melhor habilidade e melhor sua comida. Se você não tem tempo de cozinhar sempre, pense em se especializar em algum prato. Tenho amigos que quase só cozinham uma vez ao ano, sempre o mesmo prato. Mas ao longo de uns 20 anos o prato cada vez fica melhor.

Não deixemos de lado a cozinha da mãe e da avó, aproveite para aprender os segredos com as mestras.

Abraço,
Alê

domingo, 9 de maio de 2010

Cozinha "contemporânea"?

"Contemporâneo", segundo o Michaelis, é o que é do mesmo tempo, ou o que é do tempo atual. E "cozinha contemporânea", o que significa? Talvez o que não seja "contemporâneo" seja comida velha? Existe comida velha, no sentido de ultrapassada?

É claro que inovações são necessárias e muito bem-vindas. Só que precisamos separar o joio do trigo, ou melhor, o gostoso do nem tanto, a invenção da invencionice.

Já comi sushi de vatapá de frango aqui em Fortaleza, uma experiência que não recomendo - e que poderia bem chegar ao fim da vida sem ter tido (isso não entraria em nenhuma lista de cem comidas que você tem que comer antes de morrer).

Por outro lado, hoje existe a pizza de calabresa, ricota e manjericão; o sushi de robalo com uma fatia transparente de limão; o camarão no abacaxi; o frango com molho de ameixa...

Voltemos à cozinha contemporânea. O guia de restaurantes da Veja Fortaleza 2010 classifica os restaurantes como: Brasileiro/regional, Carne, Italiano, Peixes e frutos do mar, Bom e barato, entre outros. Nesses "outros", há a "Cozinha contemporânea". O que seria isso? Talvez comida transgênica? Essa é contemporânea com certeza... Será que um restaurante que serve pizza congelada, sopa Campbell's e soja transgênica (anunciada com orgulho) pode ser considerado contemporâneo?

Dos 16 restaurantes da categoria, eu e minha mulher já fomos em quatro. Num deles, a comida estava insatisfatória (filé mignon DURO!); em dois deles, regular (um abaixo da expectativa e outro com comida que parecia de fast food); num último, excelente (cozinha tradicional francesa e italiana). Como entender a categoria com base em nossa experiência?

Minha primeira impressão foi de que servia pra encaixar os restaurantes que não se enquadravam em nenhuma outra, talvez os que não fazem bem comida Brasileira/regional, Carne, Italiana, Peixes e frutos do mar, e que não são Bons e baratos? Uma olhada pelos restaurantes e pratos sugeridos pela Veja, além do que vimos nos cardápios, indica algumas tendências, não todas elas juntas:
  • Restaurantes variados, incluindo carnes, peixes, frutos do mar, massas, etc., em geral servindo pratos tradicionais ou com sutis inovações. Esses me parecem os mais respeitáveis desse grupo.
  • Misturas insólitas (picanha com gengibre, acredite!), misturas de ingredientes da moda (salmão com cream cheese) ou locais (castanha de caju), muitos pratos comuns mas com molho doce (mel, açúcar mascavo e rapadura estão presentes). Eu tenho um certo cuidado com esses, porque em geral o resultado me parece cair no lado ruim do "diferente".
  • Cozinha oriental, em geral chinesa, tailandesa ou japonesa, adicionando ingredientes locais. Aparecem em vários dos variados e insólitos, mostrando o gosto do consumidor.
  • Cozinha tradicional francesa ou italiana, mas com decoração moderna. Isso pode ser entendido, na Veja, nos restaurantes em que há mais linhas escritas sobre o ambiente que sobre a comida.
Desconheço o motivo para classificar vários dos restaurantes que se encaixam nos dois últimos pontos acima como Contemporâneos e não Orientais, Italianos ou Franceses. Aparentemente, o nome Cozinha Contemporânea deve atrair gente, independentemente do que se come lá.

Parece que também não há muito consenso entre os críticos de restaurantes sobre o que um restaurante contemporâneo deve ser, porque os votos foram dispersos. Apenas um restaurante recebeu dois votos; todos os outros votados receberam um só cada; o grande vencedor conquistou o estômago de somente dois dos jurados. (Já fomos nesse restaurante; é o que nos pareceu fast food...)

Em suma, "cozinha contemporânea" não parece ter um significado claro para restaurantes e clientes; desconfio que é usada como sinônimo de fazer diferente (ou tentar). Talvez o tempo dê seu veredito; talvez a cozinha contemporânea deixe um ou dois pratos bons que serão os tradicionais do futuro. Até lá, ficaremos sem ter um nome para o que comemos hoje.

domingo, 2 de maio de 2010

Os sabores do vinho

Um dos aspectos mais fascinantes desta bebida composta de uvas fermentadas é sua diversidade. Como uma bebida feita com apenas um fruto pode se manifestar em encarnações tão variadas e muitas vezes opostas?

Existe algo especial nas uvas, que junto com a fermentação permite uma incrível profusão de sabores em uma mesma bebida. Em palavras o vinho pode ter sabores como:
maça, pêra, amoras, frutas secas, especiarias( pimenta, cravo, canela), baunilha, nozes, mel, manteiga, frutas cítricas, ameixa, ervas, tabaco, terra, couro, madeira, fumaça, além de muitos outros, só para citar os agradáveis. Do lado negro da força temos vinagre, rolha, mofo, meias velhas suadas( apreciado em queijos), além de outros.

Complexidade e equilíbrio é o que torna um vinho memorável, se um dos sabores predominar, vai anular os outros, deixando o vinho menos equilibrado e mais pobre. Esta profusão de sabores vem primordialmente da uva. Temos que considerar todos os seus componentes, semente, polpa e casca, todos tem papel importante na diversidade de sabores presentes no vinho. O tempo que as cascas e sementes ficam em contato com o suco determina uma série de sabores, em alguns casos se deixadas muito tempo os taninos amargos e adstringentes vão se tornar muito predominantes no vinho.
O conteúdo de açúcar da vinha vai ter papel importante, é ele que vai determinar a quantidade de álcool, se em baixa quantidade a vinificação não será boa. No processo de fermentação, açúcar é transformado em álcool, para o vinho doce é necessário que a uva tenha muito açúcar para interromper o processo antes que tudo vire álcool e ainda ter uma bebida de qualidade bem vinificada. Por isto é difícil bons vinhos doces.

Alguns sabores são acrescentados pela madeira onde o vinho é deixado a descansar, o famoso sabor de baunilha dado pelo carvalho americano, se tornou uma nota quase obrigatória por ser apreciada por um crítico de vinhos chamado Parker que tem enorme influência no mercado norte americano.

Não se engane, não existe mais carvalho no mundo para fazer tantos barris como seria necessário para a produção de vinho, os vinhos são deixados em grandes tanques de aço inox com uns pedaços de madeira para “temperar”.

A uva também tem suas variedades, existem muitos tipos e já existiram mais. O vinho tem sido apreciado desde os tempos romanos, e por conta de uma praga chamada filoxera, muitas variedades nativas de muitas regiões da Europa desapareceram e tiveram que ser colonizadas com variedades resistentes ao parasita que cresceram no novo mundo. Poucas linhagens de uva originais sobraram da devastação causada pelo parasita de raízes. Das poucas sobreviventes que lembro está a barbera, a vinha típica do Crasto, e algumas vinhas portuguesas e gregas.

O terroir(local onde a vinha é cultivada) também influencia muito na variedade de sabor. Um varietal Syrah produzido em Portugal ou na Argentina será totalmente distinto, apesar de ambos apresentarem as notas condimentadas, típicas desta vinha.

Um dos grandes segredos da uva é sua profusão em um tipo de composto chamado de maneira genérica de polifenóis, são eles que com a maturação na ausência de oxigênio, vão dar muito mais complexidade aos sabores do vinho. Se vocês já viram a orquídea que produz a fava da baunilha, notaram que ela não tem o menor cheiro de baunilha. Sem a maturação, o aroma forte e típico deste ingrediente tão popular não existiria.

Mesmo bebendo e conversando com amigos é preciso alguns minutos de meditação para saborear um vinho. Veja a cor e a fluidez do líquido. Para sentir seus aromas e começar a obter pistas para decifrar a sua complexidade é preciso agitar o vinho no copo, para que os aromas sejam carreados pelo álcool ao ar, enterrar o nariz no copo e dar uma bela fungada, para depois prender a respiração e deixar que os aromas sejam percebidos. É... nada fino... não é aquela cheiradinha leve e sofisticada dos comerciais. Como nossas papilas gustativas só entendem a linguagem do doce, azedo(ácido), salgado e amargo, é o aroma que vai ser responsável pelo gosto do vinho. Já notou que quando estamos resfriados não sentimos o sabor? Nossos receptores químicos estão cobertos de muco. Assim o aroma bem “fungado” é o primeiro passo a desvendar as várias notas que compõem um vinho.

Ao primeiro gole, devemos perceber que existem quatro fases. Na primeira o vinho tem contato com as papilas gustativas, vamos perceber o conteúdo alcoólico, a acidez, os amargos e o doce, logo depois os aromas vão invadir as vias respiratórias e vamos notar uma grande variedade de sabores, alguns vão desaparecer rapidamente e outros irão persistir ou surgir no final, logo antes da deglutição. O sabor que fica na boca depois é chamado de “after taste”, e também é importante.

Mais importante do que tudo é o seu gosto. O que lhe agrada no vinho? O que desagrada?
A minha preferência é por vinhos fortes, bem alcoólicos, taninos bem perceptíveis, aromas de ameixa, frutas secas, cítrus, madeira(carvalho europeu), às vezes especiarias e fumaça. Parte da graça de se beber vinho é a surpresa da combinação de sabores, nunca é igual.

Na próxima garrafa, descubra a sua preferência nos breves momentos meditativos com o vinho.
Abraço,
Alê